Hoje, no Jornal O Informativo do Vale:
PALMADAS EM CRIANÇAS: DÓI EM QUEM?
Suzana Feldens Schwertner, psicóloga (CRP07/11446) e doutora em Educação (UFRGS)
E-mail para contato: suzifs3@hotmail.com
Com a disposição, em lei, do projeto contra castigos infantis, ressurgiu o debate sobre as conhecidas “palmadas” em crianças. Alguns a batizaram de “palmada educativa” ou “palmada terapêutica”, o que, a nosso entender, não abarca os aspectos de cuidado, atenção e proteção que os adultos responsáveis devem exercer com as suas crianças.
Pedagogos e psicólogos se colocam a debater sobre esse tema tão controverso, mas nunca superficial. Nos últimos anos escutamos notícias como “bebê ensacado às margens da Pampulha”, “pais suspeitos de atirar criança da janela de um prédio”, “criança morre de espancamento pela própria mãe”, “maus tratos em criança adotiva”, e aquilo que poderia ser apenas uma “simples” palmada evolui para algo bem maior.
Sigmund Freud, intitulado pai da psicanálise, no volume XXIII de suas Obras Completas trata sobre o interesse educacional da psicanálise. Para o autor, os meios de coerção externa – por exemplo, as palmadas dos pais – não produz a extinção dos instintos da criança. Ao contrário, o “tapinha” conduz a uma repressão da agressividade, podendo criar, inclusive, “uma predisposição para doenças mentais no futuro”.
Seria ainda possível falar em palmadas terapêuticas? Seria possível educar com violência? A palavra parece forte – violência – mas é sobre ela mesmo que temos que pensar, pois um simples “tapinha” também dói e é um sinal de violência. E as marcas ficam, sejam elas externas ou internas. Os pequenos vergões avermelhados ou os grandes hematomas purpúreos podem desaparecer com o tempo, mas o ato de violência continua sendo o mesmo: covarde, não consegue se utilizar da palavra, da negociação e do diálogo para resolver o dilema. Pois a violência é isso mesmo: muda, silenciosa e surge quando as palavras já não dão mais conta do recado.
Palmada em crianças: dói nelas, mas sobretudo dói em todos nós, pois a partir do momento em que precisarmos resolver todas as nossas questões “no braço”, é sinal de que necessitamos retornar ao tempo das cavernas e iniciar todo o processo civilizatório outra vez.
21/05/2010
08/05/2010
O Mito da Maternidade Instintiva
Fist Steps - Primeiros Passos (Picasso)
Véspera do dia das mães. Propagandas na televisão, nos jornais, nas ruas. Famílias combinando o almoço de domingo, organizando as comemorações para o dia nove de maio. É uma época que nos remete à maternidade e à possibilidade de as mulheres gerarem uma nova vida. Remeto-me igualmente à infância e procuro me lembrar da minha teoria sexual em relação ao nascimento dos bebês. Te lembras da tua? Sim, pois todos nós tivemos, de alguma maneira, uma teoria de como os bebês são gerados e trazidos ao mundo, seja a ideia da cegonha que entregava os bebês nas chaminés das casas ou das crianças que nasciam em árvores.
Eu, aos cinco anos de idade, pensava que toda mulher nascia com uma sementinha na barriga, e que, com a maturidade, a criança iria se desenvolvendo até o momento em que a mãe atingisse uma determinada idade e o bebê estivesse pronto para nascer. Claro que minha teoria era falha, pois ela não explicava o motivo de haver mães de diferentes idades, e nem como essa sementinha, sozinha, poderia gerar um bebê. Mas hoje vejo que a minha teoria infantil também era influenciada por um mito que é vigente até hoje: o mito de que a maternidade é um instinto que nasce com todas as mulheres.
Quantas vezes não nos vemos dizendo que “ser mãe é uma dádiva”, no sentido de ser algo sagrado que nos foi doado, ao qual devemos aceitar sem resignação? Ou mesmo que é algo “de instinto”, que se exerce automaticamente. E é aqui que devemos amadurecer o pensamento, avançando sobre as teorias infantis.
A maternidade é, na verdade, aprendida. Ela não é um dom natural: ser mãe é algo que se aprende. A gravidez envolve um momento único, que reúne uma família em torno de um nascimento. Em torno de um ser que está em desenvolvimento, mas que já provoca um turbilhão de sentimentos tão intensos quanto paradoxais. A parentalidade humana é a mais rica e complexa da cadeia animal, pois demanda dos pais muito cuidado, atenção, carinho e proteção. E todas estas exigências não são automáticas e puramente instintuais, elas são entendidas e aprendidas, negociadas e modificadas. Sabemos que nem mesmo o piloto automático dos carros é tão automático assim: aquele mecanismo solicita alguém que o comande, que saiba como utilizá-lo, que aprenda – com inteligência – a solicitar o comando no momento indicado da estrada.
Assim também podemos pensar com a maternidade: a mãe precisa aprender com seu bebê qual o melhor momento, duração e intervalos das mamadas; a decodificar qual o significado de cada choro da criança, a entender o motivo das cólicas; ela precisa, pois, aprender a construir este novo relacionamento. Portanto, não podemos falar de uma maternidade pré-programada, guardada e repassada através das gerações, um instinto imutável. Podemos, sim, falar das diferentes maternidades que são elaboradas por meio dos vínculos entre a mãe e seu bebê, algo aprendido pelas gestantes a partir de suas próprias mães, por meio de consultas médicas e de sua experiência; maternidades que se modificam também a partir das mudanças sociais, tecnológicas, políticas e econômicas que envolvem a sociedade.
PS.: Já investigou com seu filh@, seu afilhad@, sobrinh@, vizinh@, ou qualquer criança com quem conviva mais proximamente, qual a teoria que eles têm sobre o nascimento dos bebês? Vale a tentativa...
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