08/06/2010

E mais sobre bullying

Nova reportagem publicada no jornal O Informativo do Vale, hoje, produzida e elaborada por Carlos Vogt e Cíntia Marchi:


Antibullying - Fim da linha para os valentões (versão impressa)

Lajeado - A lei antibullying, que quer banir a prática dentro e fora das instituições de ensino (ver quadro), foi aprovada tarde demais para um estudante de 7º série da Escola Estadual Erico Verissimo. Durante quase todo o ano passado, Marcos* (13) foi a principal vítima de dois colegas valentões que perseguiam e espancavam alu­nos. Se a legislação tivesse intervindo um ano antes, talvez o poupasse de momentos carregados de dor e constrangimento. Outro ponto da norma é orientar as vítimas de bullying e seus familiares a recorrer a apoios técnico e psicológico que garantam a recuperação do aluno agredido e de sua autoestima. Marcos não teve esse apoio e preferiu o silêncio à vergonha de admitir que era alvo de chacotas e agressões.

A direção da escola desconhecia a condição do menino, e também seus pais eram alheios à gravidade do problema. “Alguns se irritavam e choravam quando eram agredidos, mas isso era pior. Eu preferia ficar quieto”, relata o rapaz, hoje estudante da 8ª série na mesma instituição. Na época, Marcos era novo na cidade, não conhecia alunos ou professores, e chamava a atenção pelo sotaque. “Tive que aprender a falar como todo mundo, se não quisesse apanhar mais”, conta. A pressão psicológica não parava por aí - ou carregava a mochila de um dos agressores de uma sala para outra ou levava mais socos. Talvez nenhum professor notasse, mas a cena se repetia diariamente, na troca de períodos. A lei também quer acabar com isso, pois vai disseminar entre pais e educadores o conhecimento sobre o bullying, a fim de que sejam identificadas suas vítimas.

E mesmo fazendo todo o esforço para agradar a seus agressores, Marcos não escapava de punições descabidas. Numa manhã, após entrar para o primeiro período de aula, e tendo carregado uma outra mochila - que não a sua -, ele foi soqueado nas costas. Ele berrou de dor, mas não foi ajudado pela professora que presenciou o ato e não tomou nenhuma atitude, segundo o garoto. Sem permissão, saiu da sala de aula e procurou a direção da escola para contar o ocorrido. Muito embora tivesse denunciado o colega, não admitiu ser vítima de bullying. Apenas relatou o fato como sendo um episódio isolado. A postura da educadora não agrada ao Estado, e é um dos tantos motivos para criação da lei. Ela não é, com certeza, a primeira docente a presenciar um ato de violência e não tomar atitude alguma.

Com a vigência da legislação, os professores serão treinados para desenvolver abordagens preventivas e planos de combate à prática.

Lei da empatia

A direção da escola suspendeu o agressor e comunicou o fato ao pai de Marcos. Mas não demorou muito para que a vítima voltasse a ser importunada por outros estudantes. Num desses episódios, durante o intervalo, teve suas cuecas puxadas para cima e as calças para baixo, ficando seminu na frente de colegas e outros alunos. Também, por pelo menos três vezes, depois disso, foi jogado numa lata de lixo por um grupo de seis estudantes na saída da escola. “Tinha que ir para casa e trocar de roupa, porque se não ficavam me chamando de fedido”, recorda. A lei também quer promover a cidadania e o respeito aos demais, promovendo a capacidade em­pática dos alunos, isto é, de se colocar na situação dos outros.

Adaptação

Os principais agressores do menino não estudam mais na instituição - um foi expulso depois de ser suspenso por diversas vezes, e o outro desistiu de estudar quando soube estar praticamente reprovado. No fim das contas, Marcos teve sorte. Após um período turbulento, ele pôde se adaptar à nova escola e fazer amigos. Hoje já não tira notas baixas, pois não tem quem implique com ele em sala de aula. Também ao ver um estudante apanhando ou sendo ridicularizado, presta socorro imediato. Mas quando o agressor é maior do que ele, finge que a situação não existe. “Fico quieto, se não sobra pra mim”, admite.

A vítima

Para vítimas de bullying como Marcos, uma das coisas mais complicadas é pedir ajuda. Às vezes, o estudante não tem a quem recorrer, não conta com o apoio da escola ou da família. Em outros casos, avalia a psicóloga Suzana Feldens Schwertner, a própria vítima se fecha e aceita as agressões dos colegas por achar que há algo de errado com ela. “No geral, as vítimas apresentam características físicas e emocionais que destoam dos demais alunos, como estatura, peso e sexualidade.”

Em casos extremos, o agredido desconhece a prática, prefere o silêncio ou está mais propenso a aceitar atos de violência, seja pela maneira como foi criado ou pela forma como lida com as emoções. “A violência nas escolas é um problema antigo e pertence à sociedade, que é individualista e está cada vez mais agressiva”, pontua. Conforme ela, as pessoas vivem numa época em que se pensa ser necessário subestimar o outro para ganhar destaque. E isso contribui com o preconceito, a indiferença e a falta de respeito. Vítimas de bullying podem mudar de personalidade repentinamente, desenvolver baixa autoestima, insegurança, ansiedade e síndrome do pânico, além de inventar inúmeros problemas para não ir às aulas ou participar de atividades com os demais colegas.

O agressor

Infelizmente, relata Suzana, poucos são os agressores que chegam aos consultórios para receber orientação e tratamento. “As pessoas desconhecem que a maior vítima do bullying é quem o pratica”, revela. Conforme ela, quem instiga a prática sofre de problemas como falta de atenção da família e violência doméstica. Nesses casos, quando está na escola, o aluno vira o jogo e de agredido passa a agressor, desferindo toda sua raiva e frustração nos colegas.

Também uma vítima de bullying que não teve o auxílio de professores ou responsáveis pode desenvolver uma personalidade violenta e atacar outros alunos. Segundo ela, os pais dos agressores demoram para perceber o problema ou, simplesmente, não consideram a sua prática algo que mereça atenção ou cuidados. “É difícil dizer o que acontece com um agressor que não recebe tratamento, mas a tendência é de que a violência aumente com o passar do tempo, criando, talvez, uma personalidade antissocial”, supõe.

Bullying: como acontece

Há quatro formas conhecidas para a prática do bullying. A primeira é direta e física, e inclui agressões ao corpo, estragar ou roubar objetos alheios e obrigar a fazer atividades servis. Também há a forma direta e verbal, que é por meio de insultos, piadas e apelidos, comentários racistas ou de qualquer espécie que denigram a imagem da pessoa. Já na forma indireta, a vítima é excluída pelos demais e passa a ser alvo de fofocas e boatos. Mais recentemente, o cyberbullying também se caracterizou como uma forma de instigar a violência. Nesse caso, os agressores atingem as vítimas por meio da tecnologia da comunicação, como celulares, Orkut, Twitter e e-mails.

Prevenção

Conforme Suzana, as escolas precisam trabalhar a prevenção e se dar conta de que são espaços promotores de segurança, respeito e tolerância. “É preciso trabalhar a questão de forma social e evitar apontar culpados dentro das salas de aula, porque isso não terminaria com as agressões, mas, pelo contrário, faria com que fossem ainda mais constantes”, analisa. Para ela, a lei acerta ao instigar as instituições que trabalhem em grupo para desenvolver ações que conscientizem, e sugere a promoção de palestras e aulas de teatro sobre o tema. “Mas há que se alertar que o trabalho deve ser continuado e não uma atividade isolada durante algum tempo”, aconselha.

Alunos lutam contra a repressão

O esquadrão, formado na mesma escola em que Marcos sofreu violência (Erico Verissimo), “luta” para intimidar os agressores que provocam bullying dentro da instituição. As armas que estão dentro das mochilas e estojos - lápis, caderno, borracha, cartolina, régua - são usadas para informar, alertar, confortar todos os estudantes do estabelecimento.

Depois de assistir à palestra do vereador de Porto Alegre Mauro Zacher, no mês passado, que alertou sobre a prática e consequências do bullying, um grupo de seis alunos, da 8ª série, resolveu se unir contra a repressão entre colegas. Na última semana, eles prepararam materiais informativos e cartazes para espalhar na escola. O próximo passo será a apresentação do esquadrão nas salas de aula.

Um dos integrantes do grupo é Guilherme Sidnei Eckert (15). Ele se regenerou. De agressor virou combatente do bullying. “Eu agredia os colegas porque na hora tudo era engraçado. Eu era grande e batia nos mais fracos. Uma vez coloquei um colega dentro da lata de lixo”, conta. A palestra do vereador foi um divisor de água, e o adolescente acabou abrindo os olhos. “Eu comecei a perceber que o que eu fazia era errado. E resolvi me colocar no lugar de quem sofria a agressão. Agora a minha intenção é ajudar todos que padecem com isso. Quero que a prática do bullying termine na nossa escola.”

O propósito de Guilherme é compartilhado pela colega Ana Paula Heineck (15). Ela já foi vítima e sentiu na pele a maldade de colegas. Quando ainda morava em Travesseiro, em 2008, antes de se mudar para Lajeado, Ana fez amizade com um usuário de drogas para ajudá-lo na tarefa de se livrar do vício. Mas um grupo na escola pensava diferente. Além de não querer colaborar na missão, eles isolaram o dependente químico. “Como eu era amiga dele, fui agredida verbalmente e fisicamente por continuar tendo contato com ele”, revela a menina. Os atos violentos provocaram efeitos na estudante. “Entrei em depressão. Meus pais chegaram a achar que estava louca. Fui muito infeliz.” Ana teve que procurar ajuda médica para se tratar. Foi aí que ela se mudou para Lajeado e passou a estudar na Erico Verissimo. “Aqui também sofri no início. Os alunos ficavam zoando do meu sotaque e do meu jeito.”

Hoje, enfrentado o desafio, Ana tem um recado para dar como integrante do esquadrão. “Nada se ajeita com a violência. É com diálogo que tudo se resolve.”

SaibaMais

O projeto de lei estadual é de autoria do deputado Adroaldo Loureiro e foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa no final do mês. Muito embora a governadora Yeda Crusius tenha afirmado que irá sancionar a matéria, esta ainda não foi remetida para o Executivo.


* A reportagem usou um nome fictício para proteger a identidade do entrevistado.

“As pessoas desconhecem que a maior vítima do bullying é quem o pratica”, revela a psicóloga Suzana Feldens Schwertner. Conforme ela, quem instiga a prática sofre de problemas como falta de atenção da família e violência doméstica


Carlos Vogt

carlos@informativo.com. br



Cíntia Marchi

cintia@informativo.com.br

07/06/2010

Bullying

Matéria da TV Informativo, que foi ao ar no dia 04 de junho passado:

http://www.tvinformativo.com.br/?file=home&id=1198&title=IN: 04_06 I/III